Como moluscos mansos, sem esqueleto e defesas,
as ostras são presas fáceis. Mas com natural sabedoria, que lhes ensinou a
fazer as suas próprias casas em conchas duras, impenetráveis. E ali passaram a
viver felizes.
Até que, um belo dia, a alegria da comunidade
foi interrompida por um gemido de dor de uma ostra solitária: um grão de areia
havia entrado na concha dela e machucava a sua
carne. E doía. Como ela não tinha como livrar-se do grão de areia, tratou de
livrar-se da dor, provocada pela aspereza, arestas e pontas do intruso. E
passou a envolvê-lo com uma substância lisa, brilhante e redonda.
Pescada por um pescador, a sofrida ostra foi
transformada numa deliciosa sopa. À mesa, porém, o comensal foi surpreendido
com a presença de um objeto duro escondido dentro da ostra. Tomou-o nos dedos e
abriu um sorriso de felicidade: era uma pérola, uma linda pérola, fabricada
pela pobre ostra, que tanto sofrera para fabricá-la. Deu-a de presente à
esposa, que também ficou muito feliz.
Respeito às ostras que, com tamanha atribuição, não
se entregam ao pessimismo. Mais que isso, são capazes de transformar tragédia
em beleza. (...)
Mas me pergunto: a história da pérola nascida da
dor da ostra não seria uma enorme metáfora da vida? Aí estamos nós com os
nossos grãos de areia e nossas dores. Não deveríamos aprender a transformá-los
em pérolas?
Não precisamos ser religiosos ou místicos para
saber que aqui estamos para aprender. Para evoluir, física, mental e espiritualmente.
Besteira negar fato tão evidente. Caso contrário, a existência não teria
sentido. E este mundo seria muito pior do que já é.
Precisamos apenas parar de reclamar da vida, dos
grãos de areia que ela coloca no nosso caminho. Mais do que ninguém, sei que
não é fácil. Atormenta-me as desigualdades deste mundo, os patifes que nos
cercam e a desesperança que nos impõem. Mas começo a achar que é chegada a hora
de um novo enfoque.
Precisamos aprender a enfrentar os reveses com
sabedoria, envolvendo-os com a substância lisa, brilhante e redonda da
fraternidade, solidariedade, coragem e amor. Somente assim, talvez, um dia,
nossos filhos e netos possam voltar a entoar alegres melodias, como ostras
felizes, que não precisam fazer pérolas para aplacar a sua dor.
E a todos que, dia a dia, de uma maneira ou de
outra, ajudaram-me a envolver o grão em substância lisa, brilhante e, em
especial, valiosa, o meu MUITÍSSIMO OBRIGADA, de todo o coração!!
Rubem Alves
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