Algumas preciosidades morrem baixinho, em dégradé. Como
morrem as tardes. Como morrem as flores. Como morrem as ondas. Quando a gente percebe,
já é noite e o céu, se está disposto a falar, diz estrelas. Quando a gente
percebe, as pétalas já descansam o seu sorriso no colo do chão. Quando a gente
percebe, o canto da onda já enterneceu a areia. Muitas dádivas que nos
encontram, que nos encantam, têm seu tempo de viço, sua hora de recado, e seu
momento de transformação em outro jeito de lindeza.
A noite também é bela do jeito dela. As pétalas caídas viram
húmus para fertilizar o solo que dirá a vez de outras flores sorrirem. A areia
molhada conta a canção da onda e da sua acolhida terna para a nossa vida
descalça. Lutar contra a impermanência das coisas é feito tentar prender o azul
macio das tardes, segurar o viço risonho das flores, amordaçar as ondas. É
inútil.
Costumamos esquecer que não podemos impedir a mudança: tudo
dança a coreografia sábia e implacável da impermanência. Mas a música daquilo
que verdadeiramente nos toca com amor, não importa o quanto tudo mude - e tudo
muda -, não deixa nunca mais de tocar e viver, de algum jeito, no nosso
coração.
Ana Jácomo
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