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quinta-feira, 3 de maio de 2012

Milho de pipoca



 As grandes mudanças acontecem de dentro para fora. Milho de pipoca que não passa pelo fogo, continua a ser apenas milho de pipoca.
A transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação por que devem passar os homens para que eles venham a ser o que devem ser. O milho de pipoca não é o que deve ser. Ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro. O milho de pipoca somos nós: duros, quebra dentes, impróprios para comer; pelo poder do fogo podemos, repentinamente, nos transformar em outra coisa- voltar a ser criança.
Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo. Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca, para sempre. Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e uma dureza assombrosas. Só que elas não percebem. Acham que o seu jeito de ser é o melhor jeito de ser. Mas de repente, vem o fogo. O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos- dor. Pode ser fogo de dentro: pânico, medo, ansiedade, depressão- sofrimentos cujas causas ignoramos. Há sempre o recurso dops remédios. Apagar o fogo o sofrimento diminui. E com isso a possibilidade da grande transformação...
Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro ficando cada vez mais quente, pense que a sua hora chegou: vai morrer. De dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar destino diferente. Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada. A pipoca não imagina do que é capaz. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo a grande transformação acontece: pum! E ela aparece como uma outra coisa completamente diferente que ela mesma nunca havia sonhado.
Peruá é milho de pipoca que se recusa a estourar... São aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem. A sua presunção e o medo são a dura casca do milho que não estoura. O destino delas é triste. Vão ficar duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca macia. Não vão dar alegria a ninguém. Terminando o estouro alegre da pipoca, no fundo da panela ficam os peruás que não servem para nada. Seu destino é o lixo...
As pipocas que estouram são adultos que voltaram a ser crianças e que sabem que a vida é uma grande brincadeira...

Rubem Alves 



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