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quinta-feira, 12 de julho de 2012

Ostra feliz não faz pérola



Como moluscos mansos, sem esqueleto e defesas, as ostras são presas fáceis. Mas com natural sabedoria, que lhes ensinou a fazer as suas próprias casas em conchas duras, impenetráveis. E ali passaram a viver felizes. 

Até que, um belo dia, a alegria da comunidade foi interrompida por um gemido de dor de uma ostra solitária: um grão de areia havia entrado na concha dela e machucava a sua carne. E doía. Como ela não tinha como livrar-se do grão de areia, tratou de livrar-se da dor, provocada pela aspereza, arestas e pontas do intruso. E passou a envolvê-lo com uma substância lisa, brilhante e redonda.

Pescada por um pescador, a sofrida ostra foi transformada numa deliciosa sopa. À mesa, porém, o comensal foi surpreendido com a presença de um objeto duro escondido dentro da ostra. Tomou-o nos dedos e abriu um sorriso de felicidade: era uma pérola, uma linda pérola, fabricada pela pobre ostra, que tanto sofrera para fabricá-la. Deu-a de presente à esposa, que também ficou muito feliz. 

Respeito às ostras que, com tamanha atribuição, não se entregam ao pessimismo. Mais que isso, são capazes de transformar tragédia em beleza. (...) 

Mas me pergunto: a história da pérola nascida da dor da ostra não seria uma enorme metáfora da vida? Aí estamos nós com os nossos grãos de areia e nossas dores. Não deveríamos aprender a transformá-los em pérolas?

Não precisamos ser religiosos ou místicos para saber que aqui estamos para aprender. Para evoluir, física, mental e espiritualmente. Besteira negar fato tão evidente. Caso contrário, a existência não teria sentido. E este mundo seria muito pior do que já é.

Precisamos apenas parar de reclamar da vida, dos grãos de areia que ela coloca no nosso caminho. Mais do que ninguém, sei que não é fácil. Atormenta-me as desigualdades deste mundo, os patifes que nos cercam e a desesperança que nos impõem. Mas começo a achar que é chegada a hora de um novo enfoque. 

Precisamos aprender a enfrentar os reveses com sabedoria, envolvendo-os com a substância lisa, brilhante e redonda da fraternidade, solidariedade, coragem e amor. Somente assim, talvez, um dia, nossos filhos e netos possam voltar a entoar alegres melodias, como ostras felizes, que não precisam fazer pérolas para aplacar a sua dor.   


E a todos que, dia a dia, de uma maneira ou de outra, ajudaram-me a envolver o grão em substância lisa, brilhante e, em especial, valiosa, o meu MUITÍSSIMO OBRIGADA, de todo o coração!!


Rubem Alves





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